quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

A VIDA DE MARIA JOANA

Deitada naquele sofá azul escarlate, podia ver cada prega do couro pintado saltando aos seus olhos. Sentia o vento fraco do ar condicionado batendo suavemente sobre suas pernas descobertas, e sentia o arrepio subindo e entrando pela sua saia. As almofadas encostavam de leve sobre si e pareciam afundá-la no sofá. Um sentimento de prazer foi tomando-lhe conta do corpo todo, o sorriso parecia-lhe inevitável. Os músculos faciais repuxavam com toda a força os cantos de seus lábios e a memória lhe trouxe a imagem dele, deitando-se sobre ela. O brilho dos olhos e o toque quente e suave acariciando-lhe os ombros, as coxas, o rosto, os cabelos... fio a fio.
As vozes ao redor não faziam mais sentido e ela só conseguia ouvir o timbre da voz dele sussurrando, ressoando em suas lembranças, que agora pareciam mais que reais. Por instantes ela reviveu a cena, desta vez deitada no sofá vazio de um apartamento no Jardins.
E ao abrir os olhos podia vê-lo cara-a-cara, o sorriso, o nariz, o contorno de sua boca... Podia senti-lo em todos os poros de sua pele e conseguia tocar novamente o seu cabelo macio. Sentia-se em êxtase, efeito que só ele tinha sobre ela... e não queria que aquilo acabasse mais uma vez. Parecia eterno, e seria.
O enjôo foi lhe invadindo, interrompendo a retomada da felicidade, levantou-se e foi flutuando até o lavabo. Todas as cores brilhavam mais e as paredes brancas eram como cristais refletindo a luz. O papel fazia um desenho incomum, ela podia ver flores e folhas saindo do vaso sanitário. A torneira não jorrava água, ao invés expelia um líquido de temperatura agradável que lhe acalmava, acalentava a alma. E sentia a textura da chave, do piso...
Retomou seu lugar no sofá que parecia dez vezes maior e mais fofo. Ao som de Ben Harper conseguia transportar-se para a praia e montanha ao mesmo tempo, sentia as ondas chacoalhando sua cabeça e seu corpo pra lá... pra cá... pra lá.... e de súbito, não conseguia mais voltar para a lembrança agradável... as ondas viraram maremoto. E jogavam-na, debatiam-na contra o encosto do sofá, gritavam ao seu ouvido.
Imóvel, o mundo se mexia ao seu redor. Com as mãos a longa distancia podia mover a tela, com um toque imaginário movia coisas do lugar. Olhou para o lado e viu um dos três gatos da casa. Cinco vezes maior que o real, os olhos fixos em si, as patas cravadas no chão de madeira. O gato tocava piano.
Cansada e com sono, deitou-se na cama. Sentiu como se as laterais do colchão fossem mais baixas que o centro, como se a cada movimento escorregaria para o chão ou para um buraco escuro e infinito. Teve medo, teve calor, teve frio, teve tristeza e ataque de risos. Dormiu enfim, em busca de um sonho perfeito. As imagens eram desconfiguradas, mas quase tão reais quanto o resto.
Acordou, levantou, bebeu uma cerveja, acendeu um cigarro, querendo se aventurar para sempre nessas águas que traziam a tona tantas sensações. Que traziam de volta momentos irrecuperáveis, que lhe arrancavam sorrisos involuntários e faziam-na sentir o que de melhor já havia sentido. Mas recobrou-se. Esqueceu-se. Lamentou-se.

E, com muito prazer, seu nome era Maria Joana....

Nenhum comentário: