
Agarrou a fina tira de tecido duro e puxou com ódio e desespero para baixo. A persiana subiu, a cidade reapareceu. As longas e distantes luzes de mundos particulares despontavam em seus olhos trazendo uma claridade pontiaguda para sua visão já acostumada à escuridão. Afagou a mais antiga almofada laranja, de formato peculiar, algo que já fora, um dia, um coração. E talvez a almofada fosse a representação material de seus cansados sentimentos, um coração desconfigurado. Apoiou no parapeito, recostou sobre a almofada. Do bolso, a chama que sufocou o desespero da abstinência. Uma tragada... duas. Aliviada, enfim, pode finalmente deixar os olhos dispersos encontrarem na paisagem corriqueira algo de bizarro, algo inédito, de curiosidade absoluta em sua vivência tão tímida e retraída da cidade morta de concreto. Ali, dividindo o parapeito, do outro lado da vidraça, um corpo. Metade para fora da rede que quadricula o mundo do 4º quarto do décimo-oitavo andar. Estava ali, como ela, olhando os pontos de luz da imensidão. A outra metade, provida de um minúsculo rabo, para dentro, acuada pelos perigos que a noite representa.
Tragava e olhava. Olhava e tragava.
Por fim, isolou-se novamente do universo em seu cubo fantástico. Por dentro, através do vidro, viu aquele corpúsculo raquítico. Sua carne parecia forçar para dentro do corpo, somente impedida por uma frágil estrutura óssea que quase cedia, e por entre os ossinhos a carne escorria quase atingindo o outro lado e quase tornando-se, emfim, uma folha de pelos e carne. Os dedinhos miúdos ligados por uma membrana quase transparente, que assim o seria, não fosse preta. Por dúvida, jogou-lhe um feixe de luz por trás. A sombra na mureta pálida, quase tão negra quanto o ser, tomou forma e deixou exato o desenho de duas orelhas pontiagudas e miúdas.
Um rato preto? Um morcego? Macumba? Ilusão? Devaneios? Alucinações? Medo?
Tomada por um sentimento único de agonia e terror, a aflição tomou-lhe conta das ações, as lágrimas lhe escorreram dos olhos involuntárias. O animal no parapeito como ela, estava se escondendo da vida, com medo da cidade a frente, no meio termo entre o real e o irreal, em cima do muro, dormindo entre o quadriculado e frágil como uma membrana. O animal era ela. Ela era o morcego.
Entao, abriu a vidraça, encostou a cabeça na rede e lá ficou, até o sol crescer e levar embora o bicho e toda escuridão...
Tragava e olhava. Olhava e tragava.
Por fim, isolou-se novamente do universo em seu cubo fantástico. Por dentro, através do vidro, viu aquele corpúsculo raquítico. Sua carne parecia forçar para dentro do corpo, somente impedida por uma frágil estrutura óssea que quase cedia, e por entre os ossinhos a carne escorria quase atingindo o outro lado e quase tornando-se, emfim, uma folha de pelos e carne. Os dedinhos miúdos ligados por uma membrana quase transparente, que assim o seria, não fosse preta. Por dúvida, jogou-lhe um feixe de luz por trás. A sombra na mureta pálida, quase tão negra quanto o ser, tomou forma e deixou exato o desenho de duas orelhas pontiagudas e miúdas.
Um rato preto? Um morcego? Macumba? Ilusão? Devaneios? Alucinações? Medo?
Tomada por um sentimento único de agonia e terror, a aflição tomou-lhe conta das ações, as lágrimas lhe escorreram dos olhos involuntárias. O animal no parapeito como ela, estava se escondendo da vida, com medo da cidade a frente, no meio termo entre o real e o irreal, em cima do muro, dormindo entre o quadriculado e frágil como uma membrana. O animal era ela. Ela era o morcego.
Entao, abriu a vidraça, encostou a cabeça na rede e lá ficou, até o sol crescer e levar embora o bicho e toda escuridão...
Um comentário:
Quando eu era pequena, o telhado do TUCA pegou fogo, e todos os morcegos que lá moravam se refugiaram nas alturas do meu prédio. Numa noite quente, com as janelas abertas, a minha mãe escuta eu dando risadas altas, vindas do corredor. Estava sentada no chão, e entre minhas mãos havia um morceguinho, esganiçando e tendo fugir de meu controle.
Acho que é por isso que eu sempre gostei de criaturas feias, simpáticas, mal-compreendidas. Freud explica.
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